“Por onde passam os Santos, Deus
com eles passa”. Foi no ano de 1772, que um santo mendigo, Bento José Labre,
passando por Dardilly, se hospedou na humilde casa dos Vianney. A benção de
Deus entrou com ele naquela mansão; pois poucos anos depois, nasceu lá aquele
que no mundo inteiro é conhecido por João Vianney – o santo Cura d’Ars. Que
eficácia maravilhosa da esmola! Deus dá a pobres camponeses um filho, que vem a
ser um dos seus grandes servidores, recompensando assim uma obra de caridade,
que dispensaram a um pobre mendigo.
João Batista Maria Vianney nasceu e foi
batizado em 8 de maio de 1786. Desde a
infância, manifestava uma forte
inclinação à oração e um grande amor ao recolhimento. Muitas vezes era
encontrado num canto da casa, jardim ou no estábulo, rezando, de joelhos, as
orações que lhe tinham ensinado: o Padre-Nosso, a Ave-Maria, etc. Os pais,
principalmente a piedosa mãe, Maria Belusa, cultivavam no filho esse espírito
de religião e de piedade.
A França achava-se agitadíssima com os horrores da revolução e como os
sacerdotes estivessem exilados ou encarcerados, não foi possível a João Vianney
encontrar um mestre, que lhe desse algumas instruções sobre as ciências
elementares. Era natural, pois, que passasse a mocidade entregue aos trabalhos
do campo. Entretanto João continuava as práticas de piedade com todo fervor e o
pecado era para ele coisa conhecida só de nome. Fez a primeira Comunhão numa
granja, sendo que a perseguição religiosa não permitia o culto público nas
igrejas.
Amainado o temporal da revolução, Vianney achou um grande amigo e protetor, na
pessoa do Padre M. Balley, vigário de Ecully, que descobrira na alma de João
qualidades superiores, que deviam ser aproveitadas e cultivadas, para a maior
glória de Deus. Se era grande o fervor,
admirável a virtude do jovem Vianney, se melhor mestre não podia haver do que o
Padre Balley, tudo parecia desfazer-se diante de uma barreira, que se levantava
insuportável: a falta de inteligência do estudante. Não fora a persistência
imperturbável do santo sacerdote, Vianney teria desanimado, diante das
dificuldades, que se lhe afiguravam invencíveis. Com as orações e a caridade
redobrada que dispensava aos pobres, Vianney alcançou a graça de poder
continuar os estudos com algum proveito. Quando estava prestes a ser recebido
no seminário, veio-lhe ordem de apresentar-se à autoridade militar de Bayonne.
Foram baldados os esforços do Padre Balley para obter isenção do serviço
militar, para o protegido e pareciam aniquiladas de vez todas as esperanças.
Vianney, caiu doente e passou quatorze meses nos hospitais de Lyon e de Roanne.
Passado esse tempo, ninguém mais se lembrou dele para o serviço militar e
só assim pode matricular-se no pequeno Seminário de Verrières e mais tarde no
grande Seminário de Santo Irineu. Mestres e alunos eram unânimes em conceder a
Vianney a palma quanto à virtude e santidade entre os condiscípulos. O preparo
intelectual do jovem, porém, era tão deficiente, que os mestres não se viram
com coragem de apresentá-lo para a ordenação.
O
vigário geral do Cardeal Fesch, Mons. Courbon, que em última instância devia
decidir a questão, deu consentimento para que Vianney fosse admitido ao sacerdócio e o jovem, teólogo
recebeu as santas Ordens a 9 de agosto de 1815. Vianney, contava já 29 anos.
Os primeiros três anos do sacerdócio passou-os na companhia e sob a direção do
primeiro mestre e amigo, Padre Balley. Este faleceu e a Cúria episcopal nomeou
Vianney Cura d’Ars. O novo campo de ação era o mais ingrato possível. Ars era
um lugar sem religião. A Igreja deserta, os sacramentos não eram freqüentados,
o trabalho no domingo, a freqüência de bailes e cabarés estavam na ordem do
dia. Vianney, vendo o estado das coisas, teve ímpetos de abandonar tudo. “Que
vou fazer aqui?” – exclamou. – Neste meio nada farei e tenho medo até de
perder-me”. Mas logo o seu zelo se lhe reanimou. Fixou residência na matriz e
sua primeira ocupação era rezar pela conversão dos paroquianos. Desde a manhã à
noite, com pequenas interrupções, ficava de joelhos diante do altar do
Santíssimo Sacramento. As frugalíssimas refeições ele mesmo as preparava.
Depois começou a procurar as famílias. Nas
visitas lhes falava de Deus, dos Santos, das coisas da religião. Se bem que a
maior parte não lhe ligasse importância,
um ou outro reparava na batina rota e velha, na modéstia e piedade, no aspecto
austero e mortificado do vigário. Pouco a pouco o povo ficou conhecendo o
pároco, cujas orações e mais ainda o exemplo, acabaram por franquear-lhe o
caminho aos corações de todos. Alguns começaram a freqüentar a santa Missa.
O
número daqueles que acompanhavam o piedoso Cura na recitação do rosário, todas
as tardes, crescia de dia para dia e depois de algum tempo, o Santíssimo não
ficava nenhuma hora durante o dia, sem adorador. A Comunhão freqüente foi pelo
Santo Cura introduzida na paróquia, com muita felicidade. Para as senhoras se
fundou a Confraria do Rosário e para os homens a Irmandade do Santíssimo
Sacramento.
Tendo
assim elevado a certa altura a vida religiosa na paróquia, Vianney passou a
combater os abusos. O zelo de pastor dirigiu-se principalmente contra os
cabarés, as danças e a profanação do domingo. Sem recorrer a meios rigorosos e
ameaças, fazendo, pelo contrário, prevalecer a caridade, Vianney conseguiu que
um cabaré após outro, se fechasse. Quanto à dança, os espíritos se dividiram em
duas correntes: uma a favor da campanha do vigário e outra contra. Veio a festa
de São Sixto, padroeiro do lugar. O baile fazia parte integrante do programa
dos festejos profanos. Fizeram-se os convites do costume. Mas a decepção dos
moços foi grande, quando à hora do baile, nenhuma moça lá apareceu. E o baile
não se realizou.
Restava
ainda restabelecer o domingo, em toda a sua dignidade. Tão freqüentes, tão
insistentes e persuasivas eram as exortações do vigário, a respeito do trabalho
no domingo, que determinaram mudança completa no pensamento do povo, que em
seguida, passou a observar, com todo o rigor, o descanso dominical.
Ars estava renovada. Os vícios já não
existiam. Abusos foram extirpados. Todos queriam ser bons cristãos. Respeito
humano era coisa desconhecida em Ars. Incorreria na censura pública quem não
quisesse praticar a religião. Não se ouvia mais nenhuma blasfêmia; não existia
inimizade alguma em Ars. Ao toque do Ângelus os homens se descobriam e
interrompiam o trabalho, para rezar as Ave-Marias. O confessionário se via assediado, até altas horas da noite. Aos
domingos a igreja estava sempre repleta, por ocasião das missas, das vésperas,
do catecismo e do terço. Foi preciso o vigário alargar a matriz e construir
novas capelas, como as de São João Batista, de Santa Filomena, de Ecce Homo e a
dos Santos Anjos.
Conhecendo a grande miséria das almas e os
perigos em que se achavam as pobres órfãs, Vianney fundou na paróquia um asilo,
a que deu o nome de “Providência”. Para as asiladas era um pai que sacrifícios
não media, para que nada lhes faltasse. Essa fundação, em si tão útil e boa,
foi para Vianney uma fonte de desgostos.
Mais de uma vez lhe sobreveio o desânimo e profundamente desgostoso, exclamava:
“Ah ! se tivesse sabido o que quer se dizer ser sacerdote, eu teria procurado a
minha salvação na Cartuxa ou na Trappa”. Por
duas vezes tentou fugir de Ars para ver-se livre do pesado fardo do
ministério pastoral.
O
segredo dos grandes resultados espirituais, na paróquia de Ars, estava
unicamente na santidade do Cura. Vianney era homem da oração e da penitência. A
um colega que o visitou e dolorosamente se queixou do triste estado em que se
achava, perguntou: “Rezastes entre lágrimas? Não é bastante. Jejuastes já?
Deitastes-vos sobre o chão duro e tomastes a disciplina? Se ainda não o
fizestes, não penseis ter feito tudo”. O que a outros aconselhava ele o
praticava. Levava vida de extrema pobreza. Dos pobres da paróquia era Vianney o
mais pobre. Possuía uma só batina e esta cheia de remendos. O estado do chapéu
era tal, que provocava o riso dos colegas. Vianney não possuía nada e nada
guardava. E quanto bem não fez às órfãs, e aos pobres! A vida austeridade, em
nada difere da vida Cura d’Ars, com a dos grandes eremitas do deserto do Egito.
Quando muito, tomava três refeições cheias por semana, e que refeições! O
“cardápio” não constava senão dumas ervas cruas, pão seco e água. O sono era um
repouso de duas horas apenas. Quando se tratava da conversão dum pecador, mais
apertava o jejum, e a cama trocada pelo chão. A saúde de Vianney era
fraquíssima. O Santo sofria cruciantes dores nos intestinos, dores de cabeça
violentas. Vinte vezes esteve doente e vinte vezes se curou subitamente, fato
que grande admiração causou aos médicos. Houve quem lhe dissesse que suas
penitências excediam os limites do lícito e Vianney respondeu-lhe: “O Senhor
não sabe que meus pecados exigem um tratamento como este”. Além destas práticas
comuns de penitência, Vianney usava ainda outras como: a flagelação, o cilício,
etc.
Se
com aquela santa vida agradava a Deus, tanto mais provocava as iras do inimigo,
que o perseguia com toda a sorte de malefícios, chegando a ponto de fisicamente
o maltratar. As influências diabólicas devem ser atribuídas também às calúnias,
de que Vianney foi vítima. Tudo isso, porém, não conseguia roubar-lhe o
contentamento íntimo e a alegria da alma.
Nos últimos anos o organismo lhe denunciava um estado de fraqueza
extraordinário. Quando rezava o terço na igreja, sua voz era quase imperceptível.
No mês de maio de 1843 lhe sobreveio uma forte pneumonia, que lhe pôs em grande
perigo a vida. Vianney pediu que lhe administrassem os santos Sacramentos do
Viático e da extrema Unção. Aprovado pela expectativa da morte, o Santo invocou
uma grande Padroeira Santa Filomena pedindo que o curasse, ainda que fosse
necessário um milagre. Santa Filomena, curou-o e consolou-o com sua aparição.
Vianney
possuía um grande amor ao Santíssimo Sacramento. Este amor, este fogo se
manifestava nas visitas que fazia a Jesus na Eucaristia, nas alocuções e
principalmente na Santa Missa. Quem o via celebrar, tinha a impressão do
celebrante ver o próprio Nosso Senhor. Deste amor lhe brotava o culto aos
grandes amigos de Deus: a São João Batista, a São José, a Santa Filomena, sua
padroeira por excelência e à Santíssima Virgem. Daí também o zelo infatigável
pela conversão dos pecadores.
Vianney não era só pastor das almas de Ars. Deus quis que o pobre Cura fosse o
Apóstolo universal do século. A santidade do pobre Vianney atraía as almas, que
nas suas necessidades o procuravam, para a ele se confessar e dele receber
conselhos e conforto. Esta afluência durou trinta anos e só por uma intervenção
sobrenatural pode ser explicada. As peregrinações a Ars começaram em1826. De
1835 em diante, o número anual de peregrinos que procuravam o Cura d’Ars,
excedia a 80.000. Eram leigos e sacerdotes, bispos e cardeais, sábios e
ignorantes, que vinham ajoelhar-se-lhes aos pés. Em 1843 recebeu um coadjutor e
os missionários diocesanos vinham de vez em quando lhe prestar serviços também.
Inúmeros eram os milagres que se operaram na humilde casa do Cura d’Ars. Tão
numerosas eram as curas, devidas à intervenção de Vianney, que alguém um dia
lhe disse: “Senhor Cura, basta que digais apenas: quero que estejas curado e a
cura está feita”. Vianney ouvia os doentes em confissão e dirigia-os à capela
de Santa Filomena. Era lá que os milagres se efetuavam. Só Deus sabe quantas
conversões se realizaram em Ars, quantas almas lá encontraram a paz desejada.
Vianney
morreu a 4 de agosto de 1859, mas a sua memória ainda está viva e glorioso se
lhe tornou o túmulo. Declarado “venerável” por Pio IX, em 1925 lhe foi
conferida a honra dos altares, pela solene canonização proferida pelo Papa Pio
XI.
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